Desafios e oportunidades da Educação na Era Digital — entrevista de Martha Gabriel para a revista Brasil em Código (GS1)

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por Martha Gabriel, 26 de setembro de 2013 08:25

Educação na era digital

O desenvolvimento da internet dita novos rumos para o modelo de ensino e de aprendizagem no século 21, iniciando uma verdadeira revolução nessa área

 Por Denise Turco


Martha Gabriel sempre gostou de estudar. A especialista em marketing na era digital, apaixonada por tecnologia, coleciona histórias do tempo de estudante e dos professores que marcaram sua vida acadêmica. Engenheira de formação, pós-graduada em marketing e em design, mestre e PhD em artes, passou para o outro lado do balcão ministrando aulas em universidades, cursos na área corporativa e muitas palestras mundo afora. Aliás, ela está na lista Best Online Universities 2012 entre os cem professores mais experts em tecnologia no mundo. A partir dessa experiência, a autora do best seller Marketing na Era Digital decidiu se dedicar à reflexão sobre um tema fundamental para a sociedade – a educação – tendo como ponto de partida a tecnologia.

A velocidade que a internet impõe ao nosso dia a dia reflete os anseios da humanidade, que deixou para trás a Era da Informação, modelo de sociedade com base em máquinas, e dá seus primeiros passos na Era da Inovação – fundamentada em bits, redes sociais online, tecnologia mobile, etc, que configuram um universo cada vez mais fragmentado e ampliam as possibilidades de comunicação e de aprendizagem.

Nesse contexto, o modelo de ensino com base no tripé professor-giz-quadro negro está com os dias contados. A escola precisa de mudanças profundas, mas nada simples, pois envolvem a necessidade de dominar as ferramentas do mundo digital. Em seu quinto e mais recente livro Educ@r – A (r)evolução digital na educação, Martha discute essas questões e ainda explica de maneira didática as ferramentas tecnológicas que podem ser usadas a serviço do ensino em vários níveis.

Um aspecto interessante é que o livro desfaz as barreiras entre on e o off. Ela utiliza o QR Code – tecnologia pela qual se diz apaixonada – para criar uma ponte entre impresso e digital com links para um vasto conteúdo extra como vídeos e sites. É com esse tipo de atitude criativa e enquanto prepara a segunda parte do livro, com lançamento previsto para 2014 e que apresentará um guia para professores sobre as tecnologias que podem ser usadas educação, Martha Gabriel concedeu a entrevista a seguir.

O modelo de escola tal como conhecemos, com base no livro impresso e no professor como detentor do saber, é muito antigo e hoje se mostra esgotado. Você defende que a internet lançou as bases para uma revolução na educação que iniciará uma era sem precedentes na história da humanidade. Que revolução é essa?

Essa revolução inicia quando o aluno começa a ter acesso à internet banda larga de maneira mais intensa a partir do ano 2000 – exatamente quando a geração Z começa a entrar em cena – fazendo com que todos possam publicar conteúdo. Então hoje temos um tsunami de conteúdo no mundo. A cada dois dias é criada uma quantidade de informação equivalente ao período que vai do início da história da humanidade até 2003. Quem disse isso foi o CEO do Google, Erick Schmidt há alguns anos, agora esse ritmo já acelerou, pois estamos vivendo em uma era de crescimento tecnológico exponencial. Nosso cérebro evolui linearmente, mas a curva de conhecimento tecnológico e de informação cresce de forma exponencial. Então temos um gap que cresce cada vez mais nessa relação. A partir desse cenário, todo mundo tem acesso à informação, que não é escassa nem restrita como era no passado. Por isso, não é mais necessário alguém para mediar a informação e fornecer conteúdo. Assim, a função do professor muda completamente.

Qual é o novo papel do professor e da escola a partir dessa nova realidade?

Antes era o professor quem determinava os conteúdos e somente através dele tínhamos acesso ao conhecimento. Agora, ele precisa ser um tutor que ajude o aluno a pensar, a inovar e a aprender a aprender. Antigamente, já era importante inovar e aprender a aprender, mas você sobrevivia sem isso, pois as mudanças que aconteciam na sociedade eram muito lentas, demoravam décadas. Então, fazia sentido aprender algumas fórmulas e conteúdos na escola que seriam válidas durante 30 anos, ou seja, o tempo da sua carreira profissional. Hoje, por causa dessa curva exponencial de mudança tecnológica e de informação, tudo muda muito rápido. Tablet, mobile, redes sociais…Temos um cenário que nem existia há quatro anos e isso ainda vai acelerar. Sem contar que está aumentando a população, a urbanização, enfim, são várias coisas que estão acontecendo e que nunca tinham acontecido antes na história. Se a escola ensinar fórmulas e conteúdos, nada terá mais validade quando o aluno sair de lá. Na Era da Inovação não dá para usar fórmula antiga para resolver problema novo. É preciso ter criatividade, experimentação e pensamento crítico. É isso que a escola tem de ensinar, mas ela continua fazendo o que fazia no século passado. O professor, por sua vez, precisa se habilitar para ajudar o outro a refletir, o que muito mais difícil do que simplesmente passar o mesmo conteúdo todo semestre. Essa é a transformação que muitas escolas estão interessadas.

Qual é a principal mudança positiva que a internet está promovendo na área da educação?

São várias, mas a principal é que o aluno assume papel ativo na sua própria educação e isso acontece de maneira natural e orgânica. Com essa revolução que está acontecendo agora, qualquer um, até mesmo uma criança, consegue acessar qualquer tipo de conteúdo em que esteja interessado. A personalização e o poder de se educar passaram para o lado do aluno. Outra grande mudança é cognitiva. Antes nosso cérebro era predominantemente submetido a informações de maneira linear e sequencial para ler um livro impresso. A partir da internet, quando você está navegando na página, os links levam você para outros lugares. Então o cérebro começa a traçar n possibilidades de navegação, você vai e volta, às vezes não volta. Nosso consumo de informação passa a ser predominantemente hipertextual. Na realidade, o pensamento sempre foi hipertextual, mas o modo como a gente acessava a informação era linear. Agora as ferramentas também são hipertextuais, permitindo que nosso pensamento complexo se desenvolva. Além disso, a gente tem transferido cada vez mais as nossas funções cerebrais para o computador. Por exemplo, hoje você não faz a busca no seu cérebro, mas usa o Google. O lado positivo disso é encontrar mais resultados para a sua busca do que você obtinha quando pesquisava em uma biblioteca. Dessa forma, você pensa completamente diferente e isso ativa seu cérebro de forma diferente também.

Quais são os aspectos negativos gerados pela internet?

São vários: o bullying, o plágio, os vícios em jogos eletrônicos. Mas o pior problema, que é causa de vários outros, é o multitasking, ou seja, fazer várias coisas ao mesmo tempo. Hoje, a gente troca de telas no computador 37 vezes por hora, de acordo com alguns estudos. Ao fazer isso, você perde um segundo de raciocínio e nem lembra mais o que estava fazendo. Com isso, o pensamento fica mais lento, você tem maior dificuldade para resolver problemas e diminui a produtividade e a criatividade porque não consegue fazer associações. Mas esse processo também gera adrenalina – você faz isso várias vezes e entra num ciclo que não para, e pode viciar. Tem outro ponto: se fico com muitas janelas abertas, três browsers, telefone celular, etc, tudo isso está na iminência de trazer alguma informação nova – isso não é multitasking, mas nos coloca num estado de alerta constante que desgasta nosso cérebro. Outra coisa que o digital acentua é o Fear of Missing Out, o FOMO. Bem antes das tecnologias digitais, as pessoas já sofriam de FOMO, principalmente os jovens. É aquele medo de perder uma festa ou um evento, mesmo que esteja cansado ou sem vontade de ir, porque todo mundo vai estar lá e você não quer correr o risco de perder (missing out) algo bacana que possa acontecer. Hoje, no mundo digital acontecem muitos eventos simultaneamente e os jovens querem participar de todos. Isso faz com que fiquem tensos e ansiosos, gastando energia num grau altíssimo. Eles precisam ter uma orientação maior nesse sentido, precisam aprender a serem mais críticos e seletivos.

Considerando as dificuldades na área de educação no Brasil como falta de estrutura, salários baixos e dificuldade de formação, existe uma resistência por parte dos professores às mudanças que o mundo digital impõe?

Ainda temos problemas muito graves na educação no Brasil e o digital traz outros, porque para usar o ambiente digital é preciso ser mais sofisticado e apaixonado. Um bom professor que conecta o mundo, que consegue fazer a diferença para milhares de alunos tem que ganhar muito bem e não os baixos salários que temos na educação pública aqui. Além disso, se a capacitação de professores já era um problema antigo, fica mais grave agora. Quem sempre deu aula no quadro negro, de repente precisou entender e aprender várias ferramentas e plataformas digitais, digitalizar textos e tarefas, mandar e-mail para os alunos, etc. Você vai gastar algumas horas adicionais para fazer isso e não ganha um centavo a mais. Mas a resistência por parte dos professores era mais forte há alguns anos. Hoje aumentou o número de educadores interessados em aprender as novas tecnologias porque eles não estão conseguindo mais dominar a aula sem elas e, por causa disso, o nível de engajamento dos alunos e as avaliações estão diminuindo.

Temos aí uma situação assimétrica, porque o aluno domina muito o digital e o professor não. É possível ter um ponto em que os dois se encontrem?

O aluno sempre vai ter mais facilidade de dominar as novas tecnologia do que o professor. O estudante tem mais fluência digital, mas ainda não sabe conectar informações. O que o professor tem para oferecer? Uma experiência gigante de como navegar em um mundo complexo. E o jovem está desesperado para aprender isso. O professor não precisa ser um poço de sabedoria em tecnologia e dominar todas as ferramentas, aplicativos e redes sociais. Ele precisa de capacitação – de autocapacitação – para ter familiaridade e fluência mínima para usar essas plataformas para conectar informações a favor da sua disciplina. Eu observo um comodismo por parte dos professores que esperam que as instituições ou governos deem tablets ou computadores para trabalhar. No entanto, o problema não é o equipamento. O professor tem que tomar as rédeas nesse caso. Se um aluno de classe média compra um smartphone, porque ele também não pode comprar? Ele adquire o smartphone e se habilita o mínimo que puder. Essa não é a situação ideal para aplicar em suas atividades na escola, mas ao menos ele fica familiarizado com o ambiente digital. A partir desse conhecimento mínimo, a capacitação funciona. Acredito que escolas e universidades precisam investir não em tablets (pois em breve, todo mundo terá o seu), mas em laboratórios especializados com equipamentos e tecnologias sofisticadas que não podemos ter em casa.

No Brasil, em que estágio de desenvolvimento estamos em relação ao uso das mídias digitais e das tecnologias aplicadas à educação? E no mundo? Qual é o país ou região mais avançado nesse sentido?

Os EUA estão um pouco à frente até porque lá há uma penetração tecnológica maior. A Europa está muito parecida com o Brasil nesse aspecto. Tem uma frase do William Gibson que é a seguinte: ‘o futuro já chegou, só não está distribuído igual’. Aqui no Brasil temos situações pré-históricas com lugares que não tem nenhum acesso a internet, porém em outros lugares temos índios com acesso a banda larga. Temos centros de excelência acadêmica como um colégio particular em São Paulo que desenvolve projeto com a NASA e ao mesmo tempo temos locais com escolas que não têm giz. Há vários núcleos tentando fazer trabalhos bacanas, mas para a população em geral ainda está muito aquém. Há dois anos assisti a uma palestra do Tony Blair aqui no Brasil e ele contou que está fazendo um esforço grande na Inglaterra para que todos tenham um nível de educação altíssimo. Ele disse que a educação de elite sempre foi para a elite, mas no século 21 nenhum país pode se dar ao luxo de dar educação de elite apenas para a elite, senão não conseguirá ser competitivo. Eu concordo com ele totalmente. É ótimo podermos nos inspirar em outros países que estejam à frente, mas o Brasil deveria começar uma reforma educacional pois acredito que não podemos esperar para ver o que o mundo está fazendo sob o risco de ficarmos para trás. Precisamos ir criando nossas próprias soluções, nosso caminho, enquanto, logicamente, caminhamos junto com o mundo.

A educação digital é algo que precisa ser desenvolvida em paralelo à educação formal e de forma ampla. Quais são as principais lições a serem seguidas em relação a isso?

O conceito de educação digital é entender toda essa mudança que está acontecendo e conhecer as ferramentas digitais, seus mecanismos de funcionamento e como extrair o melhor delas. Assim, a educação formal hoje, para acontecer, necessita cada vez mais da educação digital pois o mundo está se digitalizando cada vez mais rápido. Aliás, estamos virando um híbrido de corpo biológico com corpo digital, que é o que chamamos de cibridismo. Por exemplo: se eu perder o meu computador, perco minhas pesquisas, meus arquivos e não consigo refazê-los – perco parte do meu “cérebro” que está estendido no dispositivo digital. Tudo o que eu tenho online no Facebook, no Twitter, aquilo lá também sou eu. Cada vez mais a gente está esparramado nesse mundo digital. Então uma parte muito importante nossa é digital, e não apenas a biológica. Portanto, hoje você precisa ter o letramento digital para viver de maneira interessante. É a mesma coisa de quando você foi educado para aprender a se vestir para não passar frio ou a escovar o dente para evitar a cárie. Isso faz com que você se proteja e tenha uma performance melhor do seu corpo biológico. A mesma coisa é necessária no digital. Educação digital não significa ficar só no digital, mas fazer a integração entre on e o off.

10 Comentários

  1. Bom.O conteúdo foi eslareçedor para trabalho de pesquisa acadêmica.

  2. teresinha rita mendes ribeiro bopp disse:

    Achei bastante abrangente e me fez buscar mais dados para minha pesquisa, comprando o livro e buscando outras obras.

  3. João Batista disse:

    Extremamente interessante,revelador e instigante. Pois, desperta nos educadores a necessidade de atualização e modernização, que são essenciais para a melhoria da nossa educação.

  4. Angela Marques disse:

    Furstein , adoraria ler este texto. Esta é a visão exata daquilo que chamamos de MEDIADOR DE CONHECIMENTOS.
    É o exercício do aluno como protagonista de seu conhecimento tendo o professor como apoio.

  5. HELZILENE DE JESUS QUEIROZ - disse:

    A entrevista reforça ainda mais que o professor precisa acompanhar ou ter noção do mundo tecnológico para poder contribuir e ser um orientador dos alunos no mundo da pesquisa e das mídias existentes.

  6. Karina de Oliveira disse:

    Achei muito interessante. Acredito que desperta nos profissionais educadores a necessidade de se atualizar perante a modernidade que nos rodeia, essa mudança é essencial para a melhoria da educação no futuro.

  7. Marcos Cordovil disse:

    O texto acima é contundente. Ele mostra a evolução e adaptação do homem a verticalização adaptável a sociedade. Onde quem não evolui sera uma peça excluida do tabuleiro do mundo.

  8. aline p menezes disse:

    Uma ótima entrevista !! Devemos conciliar os conteúdos que nos é disponível digitalmente e não vivermos em funções deles.
    A educação brasileira precisa de uma reforma urgente pois nossos jovens precisam aprender a pensar e não serem meros reprodutores das informações obtidas nas redes sociais.

  9. L.M. Soares disse:

    Em uma sociedade evolutiva, adaptar-se novas tecnologias é interessante para evoluir o ensino, em que ainda, se encontra obsoleto nas escolas.

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