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por Martha Gabriel, 25 de junho de 2013 16:56

Manifestar para expressar o que se acredita (e/ou apontar o que se acredita estar errado) é um começo para processos de transformação. Mas é preciso muito mais do que isso para se conseguir a transformação desejada.

A crítica ao que está errado, ao que não se quer — mesmo quando não se sabe o que se quer — é o início para mudar paradigmas e tem um grande valor em qualquer revolução. A crítica detecta o que não funciona, e atua como um agente desestabilizador que deve ser o início de um processo de busca para o que pode funcionar. Essa é a grande função da crítica, da manifestação de opinião –- um outro olhar, uma nova visão. No entanto, se atos concretos de gestão não sucederem às críticas para que elas ganhem corpo, elas se esvaziam e morrem.

As manifestações dos últimos dias no Brasil não deixam dúvidas que uma parcela significativa da população está insatisfeita com o sistema político vigente e a gestão pública. Inúmeras questões importantes — educação, saúde, gestão, transparência, corrupção, etc. — estão sendo abordadas e discutidas em função desse movimento popular que tem chacoalhado o país. Isso tem um valor de proporções imensuráveis. No entanto, para que isso se torne realmente uma transformação social significativa, é necessário muito mais — é preciso que a partir de agora se estruturem os processos de gestão que transformarão essas manifestações em resultados sociais concretos. Sem esses processos, não se consegue implementar e alcançar as transformações desejadas.

As tecnologias digitais viabilizaram as redes sociais online, que são as ferramentas fundamentais para organização das manifestações que têm surgido no mundo desde 2008 — Revolução do Panelaço na Islândia (2008), Revolução de Jasmim na Tunísia (2010), os Indignados na Espanha (2011) e Occupy Wall Street nos Estados Unidos (2011). As tecnologias em si não fazem revolução — quem faz revolução são as pessoas. Mas as tecnologias modificam a estrutura de poder social. As redes sociais distribuídas têm como uma de suas principais características justamente a distribuição e descentralização do poder. A viralização, que também faz parte do DNA dessas redes, favorece a disseminação da informação e tem tornando tudo transparente.

As manifestações atuais incorporam essas características fundamentais das redes, resultando em uma horizontalização inquestionável de poder. No entanto, se por um lado as estruturas de rede favorecem a distribuição de poder, por outro, a organização de um sistema horizontal de poder que gere valor social depende de uma interação muito mais profunda entre os nós da rede, em relação àquela necessária para horizontalizá-la. Nessa etapa é necessária a negociação entre todos os atores de forma a emergirem soluções e lideranças baseadas em capital social — uma reestruturação total do sistema anterior. Redes horizontais apresentam um grau de complexidade maior para sua gestão, pois todos têm inicialmente, e teoricamente, o mesmo poder. Nesses sistemas, a única forma de se chegar a decisões que agreguem valor a todos é por meio da negociação. Assim, a nova configuração horizontal de poder é muito mais complexa do que as estruturas hierárquicas verticais.

As manifestações atuais no Brasil estão mostrando essa teoria na prática. Por sua própria natureza, as redes sociais online são muito efetivas para desestabilizar sistemas hierárquicos não baseados em capital social. É isso que estamos testemunhando. Estamos nos deparando com uma mudança de paradigma, em que as regras anteriores não funcionam mais. Por isso estamos encantados pelo novo, e ao mesmo tempo, perplexos por não sabermos como lidar com ele. Quanto maior a complexidade de um sistema, maior deve ser a sofisticação dos seus agentes. Não se pode usar ferramentas ordinárias para gerenciar o extraordinário. Estamos vivendo o extraordinário, mas nos faltam ferramentas para lidar com ele. Assim, se por um lado a horizontalização do poder é uma bênção, por outro, é também um desafio.

É exatamente nessa encruzilhada que nos deparamos agora no Brasil e, nesse momento, precisamos mais do que manifestações para resolver o futuro. Continuar manifestando sem buscar os caminhos para solucionar o impasse atual pode ser perigoso para a própria saúde do processo. A questão é: como transformar essa inquietação popular legítima em resultados sociais tangíveis? Como fomentar uma negociação horizontal entre as inúmeras vozes que se manifestam? Como fazer o diálogo com o governo atual? Qual o papel de cada um de nós nesses processos?

Tenho visto muito movimento mas pouca ação efetiva para um desfecho de sucesso. Acredito que alguns dos aspectos que devem ser revistos para que consigamos alcançar as verdadeiras transformações política e social desejadas como sequência das manifestações são:

1. Educação e ética – é incoerente e improdutivo lutar contra a corrupção, enquanto esse câncer estiver enraizado na cultura. Se não houvessem pessoas coniventes com a corrupção, não haveriam corruptos. Enquanto tivermos disseminados na cultura o “levar vantagem”, a pirataria, a tentativa de burlar sistemas e normas em busca de benefícios individuais e a falta de respeito ao outro, não conseguiremos mudar o país. Entre outras inúmeras faces da educação, é essencial que conheçamos as diferenças entre os três poderes, as responsabilidades de cada cargo político, as responsabilidades e direitos do cidadão, para que possamos dar fluxo a uma discussão social ampla para a reestruturação política. Para transcender um jogo, tornando-o melhor, é preciso conhecer e dominar as suas regras atuais.

2. Cultura Maniqueísta –– a crença de que algo é totalmente bom ou totalmente ruim faz com que percebamos de forma equivocada os atores de qualquer processo de construção social — que depende de negociação e relacionamento. Existe uma infinidade de tons de cinza entre o preto e o branco, abrindo um leque de opções muito maior do que apenas os extremos. Existem coisas boas e ruins em todas as instâncias da vida, e reconhecer isso nos ajuda a tomar decisões conscientes e justas, além do melhor entendimento das outras partes na negociação (seja em uma estrutura horizontal ou vertical de poder).

3. Inflexibilidade – a negociação precisa almejar um ponto de equilíbrio entre as partes envolvidas, e isso requer predisposição para ouvir as outras partes e abertura de perspectivas e posições. A inflexibilidade de quaisquer das partes resulta em alguma forma de ditadura. Quanto maior a quantidade de nós de poder, maior será a quantidade de propostas de mudança, e, consequentemente, maior a necessidade de negociação e disposição para alcançar pontos de equilíbrio.

4. Distância entre população e governos – é impossível haver negociação sem existir pontos de contato para dialogar e transigir. Atualmente, a distância entre governos e cidadãos é muito grande. Para que se aconteça um processo mais horizontal de gestão, essa aproximação é essencial. Da mesma forma que a tecnologia tem catalisado a horizontalização do poder, ela pode também ser instrumento de aproximação entre governo e cidadãos.

5. Transparência – para que todas as partes envolvidas em um processo de gestão confiem umas nas outras é essencial que exista transparência e que todas as informações necessárias para as tomadas de decisão sejam compartilhadas de forma clara e honesta. Sem isso, ao invés de gestão, tende-se à frustração e corrupção.

Para que consigamos avançar do estado de manifestações para um processo de gestão que realmente funcione, precisamos escolher os caminhos possíveis:
1) apontar novas lideranças que façam a transição para um novo modelo político, ou;
2) precisamos criar novos sistemas de gestão que consigam dar conta da horizontalidade que se apresenta. Sem isso, corremos o risco de que esse momento especial de conscientização se esvazie ou se torne um impasse.

Espero que isso não aconteça e que possamos dar o próximo passo em direção à gestão para alcançar a transformações político-sociais desejadas. Se isso não acontecer, ainda assim terá valido a pena, pois as discussões e reflexões das manifestações nos levam para um nível mais alto e irreversível de consciência política e contextual. Isso tende a gerar efeitos positivos no longo prazo.

(*) Texto publicado originariamente no IDGNow em 25/jun/2013

(*) Photo by Randy Colas on Unsplash

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