Apesar de não ser novidade e do seu grande potencial em diversas áreas (como manutenção industrial, engenharia e medicina, por exemplo), a realidade aumentada era uma promessa que ainda não tinha alcançado mainstream devido às várias limitações tecnológicas para seu uso em massa. No entanto, a disseminação da mobilidade por meio dos smartphones, a melhoria nas suas capacidades de processamento e conexão, além do seu barateamento nos últimos anos, culminou no cenário atual que permitiu, pela primeira vez na história, o lançamento de uma aplicação de realidade mista em escala de massa e mundial: o Pokémon GO, que se tornou um fenômeno mundial. Isso marca o início de uma nova revolução de transformação de comportamentos e percepções na sociedade, e consequentemente, no mercado.
A Realidade Aumentada é um dos estados da Realidade Mista, que compreende o espaço entre dois ambientes extremos: a Realidade (esquerda) e a Virtualidade (direita), como definido em 1994 por Paul Milgram e Fumio Kishino, mostrado no gráfico abaixo:
No lado extremo da realidade (esquerda), temos a realidade pura, que é um estado potencial, mas inatingível, pois cada um de nós vê e experimenta a realidade por meio dos nossos filtros pessoais, tanto os biológicos (visão, audição, olfato etc.), quanto os socioculturais e individuais (cultura, religião, educação, background etc.) – não conseguimos ver e experimentar a realidade como ela é, mas vemos e experimentamos como nós somos. Dessa forma, o nosso “ambiente real” fica bem próximo da extremidade da realidade pura, apesar de nunca chegar a toca-la.
Na outra extremidade (direita), temos a virtualidade pura, que também é um estado potencial, mas inatingível, pois para ser alcançado, teríamos que nos abstrair de todas as nossas características e influências corporais e do ambiente da realidade em que vivemos – isso seria algo como o estado das pessoas dentro da matriz no filme Matrix (1999). Assim, a realidade virtual fica bem próxima da extremidade de virtualidade pura.
Portanto, o mundo que você vê e experimenta sem interferência ou interação com a virtualidade é o que chamamos de “ambiente real”. O mundo que você experimenta totalmente imerso na virtualidade, sem interferência do ambiente real, é o que chamamos de Realidade Virtual.
No entanto, entre o ambiente real e a realidade virtual, temos uma infinidade de estados mistos em que a realidade ou a virtualidade se complementam, interagem e se afetam mutuamente: esse estado é chamado de realidade mista. Até recentemente, o estado predominante em nossas vidas era o ambiente real, mas, conforme a tecnologia tem penetrado em nosso cotidiano, temos experimentado cada vez mais a influência do mundo virtual no ambiente real e vice-versa, fazendo gradativamente com que a realidade mista se torne o estado predominante.
O Pokémon GO, por exemplo, é um jogo de realidade mista, pois ele usa tanto elementos do ambiente real do jogador (localização física e geografia), quanto do mundo virtual (Pokémons, poke balls, etc.).
No entanto, dependendo do grau de virtualidade ou realidade que cada estado possui, ele pode se caracterizar como uma realidade aumentada ou uma virtualidade aumentada. A realidade aumentada (RA) é uma realidade mista (RM) em que os elementos virtuais “ampliam” as nossas ações no ambiente real. A virtualidade aumentada (VA), por sua vez, é o oposto: quando os elementos do ambiente real ampliam as ações no ambiente virtual. Assim, o Pokémon GO é um jogo de realidade mista, mais especificamente, de virtualidade aumentada, pois a ação principal acontece no mundo virtual, com auxílio do ambiente real.
Mas porque o Pokémon GO é tão importante? Por que devemos prestar atenção nele? Principalmente porque ele incorpora a utilização da realidade mista no nosso cotidiano, inaugurando um novo tipo de comportamento que tende a afetar diversas dimensões da vida humana. Temos experimentado inúmeras ações isoladas de RA, RV e VA na última década, tanto em marketing e business, quanto em artes e cultura. No entanto, essas iniciativas eram nichadas e atingiam apenas grupos específicos de pessoas. O Pokémon GO, por sua vez, alcançou e introduziu a RM para todo tipo de público – idade, gênero, localização, classe social, etc. — e em diversos locais do planeta, colocando o conceito e sua utilização em mainstream, trazendo consigo outras fortes tendências, como cibridismo, geolocalização, gamefication, modelos de negócios freemium, etc.
A inserção da realidade mista na cultura abre um arsenal de possibilidades para as marcas e negócios, como por exemplo:
Listamos aqui apenas algumas oportunidades da propagação da realidade mista na cultura, mas potencialmente, qualquer área de marketing e negócios pode se beneficiar do processo e a criatividade é o limite.
É importante ressaltar que junto com todas as novas possiblidades vêm também ameaças – as questões de privacidade e segurança no uso desses novos cenários são muito importantes, tanto na dimensão digital (dados, comportamento, etc.), quanto na dimensão física. O noticiário está repleto de relatos de pessoas que foram assaltadas ou sofreram acidentes no mundo real enquanto jogavam Pokémon GO. Outra questão essencial para a sociedade de forma geral, que ficará para ser discutida em um próximo artigo, é a manipulação e alienação coletiva que um aplicativo tem o poder de ativar.
Vivemos em um mundo cada vez mais cíbrido, em que as fronteiras e limites entre dimensões física e digital, realidade e virtualidade, homem e máquina, entretenimento e negócios, diversão e educação, produtos tangíveis e serviços, criador e criatura, têm se tornado cada vez mais difusas, nos levando a um novo patamar de percepção e interação no mundo. Novos cenários requerem novas estratégias, e compreender essa transformação é essencial para que as marcas se preparem e tracem novos caminhos de sucesso.
(*) Photo by David Grandmougin on Unsplash