São duas paixões distintas e que aconteceram em fases totalmente diferentes na minha vida. A tecnologia está na minha vida desde sempre, pois meus pais tinham uma empresa de automação comercial nos anos 1960. Meu pai, especialmente, adorava tecnologia, tanto que ele tinha filmadora já na década de 1950 (ainda temos os filmes, que são ótimos), e tudo o que aparecia de interessante ele comprava. Lembro quando ele trouxe o nosso primeiro gravador de fita em rolo e fez um bate papo gravado com a família toda! Ainda tenho essas gravações, que já digitalizei.
Meu pai dizia que com a tecnologia e engenharia a gente podia construir o mundo e isso me fascinava tanto, que quando eu tinha 10 anos, ele me presenteou com um kit de componentes para montar um radio AM em uma placa, com solda e tudo. Foi um dos pontos altos da minha infância quando liguei e funcionou! Penso que isso me influenciou muito em vários sentidos que fazem a diferença na minha vida hoje, como colocar a mão na massa pra fazer acontecer, não ter medo do novo, confiar que consigo fazer e vai funcionar, ver como a tecnologia junta um monte de coisas que sozinhas não servem pra nada transformando-as em algo maior.
Por outro lado, a paixão por marketing veio somente depois de eu já estar trabalhando e ter montado a minha primeira empresa. Comecei a sentir, então, que para atuar no mercado, eu precisava conhece-lo e ter habilidades que o curso de engenharia não havia me dado. Foi quando fiz a minha primeira pós-graduação na área, que me apaixonei, não apenas pelo marketing, mas pelas humanidades e suas variações, como filosofia, comunicação, comportamento, etc. Até então, eu acreditava que a tecnologia mudava o mundo, mas percebi que o que realmente muda o mundo é o ser humano usando a tecnologia – são as inquietações e necessidades humanas que nos levam a buscar novas tecnologias para resolvê-las e ampliar nossas possibilidades. Por isso o meu caminho natural, após a pós graduação em marketing, foi mais uma pós em design e depois mestrado e doutorado em artes. O meu coração bate em bits e bytes em busca de sentido e estética/estesia no mundo.
Na minha opinião, a tecnologia impacta o dia-a-dia não apenas da mulher brasileira, mas de qualquer mulher ou pessoa no mundo hoje. Mesmo que você não use tecnologia, ela impacta a sua vida porque ela afeta tudo ao seu redor. Toda tecnologia que entra no mundo transforma o ser humano, mudando nossa vida e nosso comportamento, e criando novas realidades. Veja o fogo, a roda ou o filtro solar, o smartphone ou qualquer outra tecnologia que entrou em nossas vidas – todas mudaram nossa realidade e ação no mundo. O Waze transforma a nossa relação com a cidade, o trânsito e a gestão de tempo (não apenas de espaço).
Assim, todas as dimensões das nossas vidas são impactadas pela tecnologia: pessoal, social, profissional – e em todas as áreas: saúde, lazer, entretenimento, viagens, comunicação, relacionamento, produtividade, direitos humanos, etc. Outra dimensão importante da tecnologia é que ela aumenta consideravelmente a transparência no mundo, e isso favorece a luta pela igualdade para vários grupos, incluindo as mulheres.
Se pensarmos em tecnologias mais recentes que beneficiam especificamente as mulheres, elas são incontáveis, que vão de APPs para controle do ciclo menstrual à esmaltação em gel (compare com os esmaltes dos anos 1960!). Outro benefício é a comunicação e colaboração com grupos de outras mulheres na mesma situação (adolescente, mãe, noiva, avó, executiva, atleta, refugiada, etc.) e ter condições disponíveis para empreender, sem depender de ninguém. As mídias sociais ampliaram a voz feminina, e hoje, é muito mais comum vermos mulheres formadoras de opinião e influenciadoras que antes da era digital. Ter informação 24×7 sobre todos os aspectos da vida, pode auxiliar a mulher para atuar nos seus vários papéis. Pensando em mães, por exemplo, temos babá eletrônica com câmera e acesso mobile remoto (como eu queria um desses há 28 anos atrás).
Isso tudo sem considerar as tecnologias que nos últimos 100 anos mudaram o mundo e a relação da mulher com as tecnologias computacionais. No passado, existiam ainda menos mulheres nas áreas de STEM, que tinham acesso a computador no trabalho. No entanto, conforme as tecnologias computacionais passam a se disseminar no cotidiano das pessoas, as mulheres de qualquer área passam a ter acesso e experimentação maiores dessas tecnologias, que eram predominantemente acessíveis pelos homens.
Por outro lado, nenhuma tecnologia é apenas boa ou ruim, normalmente, ela sempre traz bênçãos e maldições, juntas. Um dos impactos negativos das tecnologias na vida da mulher é a sobrecarga informacional que veio com o digital e que invade todos os momentos da sua vida, gerando maior stress do que antes. Somando-se a isso, as mulheres hoje podem, por meio das tecnologias digitais, fazer muito mais atividades simultâneas do que no passado, que, se por um lado faz com que conquistem maior sucesso profissional e realizem muito mais em qualquer área de suas vidas, por outro lado aumenta também a pressão e o stress para conseguir gerir as demandas concomitantes. Uma das consequências do aumento do stress é a saúde e as estatísticas mostram que temos hoje uma taxa maior de enfartos em mulheres do que no passado — eu faço parte dessas estatísticas (sofri um enfarto do miocárdio em 2012) e acredito que precisamos nos conscientizar para combatermos esse problema crescente.
A tecnologia está permeando a nossa existência, no entanto, a tecnologia não muda o mundo, é o ser humano que muda o mundo usando a tecnologia. Assim, para quem quer ter sucesso em qualquer área, recomendo que conheça muito bem e seja expert nela, com todas as suas forças e coração, e use a tecnologia para alavancar as suas ações nessa área. Por exemplo, se pensarmos na área de marketing, o foco do profissional não deve ser a tecnologia, mas o marketing e de que forma ele tem sido impactado e transformado pela tecnologia – nesse processo, aí sim, o profissional deve aprender e usar as tecnologias da melhor forma possível para atingir os objetivos de marketing. Marketing antes, digital depois.
No caso do jornalismo, isso fica muito claro – a tecnologia mudou totalmente a cadeia de produção de notícias hoje. Enquanto no passado esperava-se que o jornalista desse o “furo” (pois só ele tinha tecnologia para tal), hoje isso é praticamente inviável, pois normalmente quem dá a notícia em primeira mão é o indivíduo que está mais próximo do “furo”, já que todos estão equipados com dispositivos de captura e transmissão de imagens – vivemos a era do jornalismo cidadão. No entanto, o cidadão apenas transmite imagens e informações, normalmente sem avaliações, pesquisas e correlações de acontecimentos, e é exatamente para isso que precisamos de um jornalista na era digital. Veja, portanto, que o foco do jornalista de sucesso hoje deve ser a articulação e extração de sentido dos fatos, usando a tecnologia para isso, e não simplesmente reporta-los ou aprender a usar plataformas tecnológicas como Facebook, Instagram, Snapchat, etc. Ou seja, entender da sua área profundamente e usar as tecnologias para atuar com excelência é, na minha opinião, o caminho para o sucesso profissional hoje.
Existem três motivos muito importantes para que busquemos um equilíbrio de gênero nas áreas STEM:
Estudos mostram que o gênero tem pouca ou nenhuma influência na personalidade, cognição e liderança de uma pessoa (), e que o que realmente afeta o modo como os sexos se comportam nesses aspectos é o contexto.
Portanto, o grande problema do desequilíbrio da proporção de mulheres/homens nas áreas de STEM não é biológico, mas cultural. Nesse sentido, não são as instituições que não aceitam ou não querem contratar mulheres nas carreiras em STEM, mas muitas forças culturais dificultam que elas cheguem lá. A cultura social não favorece a escolha dessas áreas por elas, pois desde pequenas, as meninas tendem a ser incentivadas para carreiras em atividades mais relacionadas com as humanidades. Preconceitos no ambiente de trabalho referentes a gênero ou a mulheres que têm filhos, somadas ao assédio sexual também desencorajam muitas mulheres no desenvolvimento de suas carreiras nas áreas de STEM. Essas forças culturais acabam gerando um ciclo vicioso, pois quanto mais meninas e escolhem profissões nas áreas de humanidade e mais mulheres desistem das suas carreiras nas áreas de STEM, o padrão se reforça. Portanto, para corrigir o desequilíbrio, precisamos mudar a cultura.
Um exemplo disso, e que prova o quanto a cultura pode ser destruidora ou fomentadora de uma formação de mulheres em STEM, é exatamente o meu caso. Como mencionei na primeira pergunta, o meu pai foi um grande incentivador da minha formação nas áreas de tecnologia, exatas e intelectualidade e, talvez por causa disso, eu sempre acreditei que poderia ser qualquer coisa que eu quisesse na vida, inclusive, engenheira, que foi a minha escolha e primeira formação. É importante ressaltar que tenho dois irmãos e que fomos educados e incentivados sem distinção de gênero e, tampouco, restrição de atividades. Por exemplo, eu gostava de tecnologia, mas também de brincar com boneca. Considerando ainda a cultura doméstica na qual me desenvolvi, depois de casada, o meu marido (que também é engenheiro) tem uma postura e uma visão que valoriza muito as mulheres – mãe, esposa e filha. Ele sempre incentivou fortemente a minha carreira tecnológica (e também em outras áreas que atuo, como artes, lecionar e escrever livros), atuando não apenas com total igualdade em todos os aspectos das decisões em nossas vidas, mas como parceiro, auxiliando em tudo o que ele pode para facilitar a minha atuação profissional.
Outro aspecto essencial é o respeito e confiança, considerando-se que a maior parte dos meus trabalhos sempre foram em ambientes com predominância de presença masculina e que as minhas responsabilidades profissionais requerem que eu viaje muito. Talvez, se não fosse pela cultura doméstica de incentivo e respeito que os meus pais e o meu marido propiciaram, valorizando o ser humano e não estereótipos de gênero, eu não teria me desenvolvido nas carreiras que trilhei.
Iniciativas interessantes têm surgido no mundo todo para tentar solucionar o problema cultural que não favorece as mulheres nas áreas de STEM. Por exemplo, nos USA, as escolas estão tentando incentivar o interesse das meninas por essas áreas já na pré-escola. A San Diego Science Alliance tem um ótimo programa, o BE WiSE, que encoraja meninas da 7a e 8a séries para seguirem carreiras STEM. Outro exemplo é o Girl Tech Power, uma plataforma para garotas nas áreas de tecnologia.
Como as mídias sociais são atualmente o principal canal de comunicação que permeia a cultura, elas têm um papel importantíssimo para ajudar transformar essa cultura, incentivando que as mulheres busquem mais carreiras de STEM e protegendo-as dos mencionados preconceitos. Isso pode, e está sendo feito, de três formas principais, a meu ver:
Entrevista de Martha Gabriel concedida para Adzuna em maio/2016, originalmente publicada em https://www.adzuna.com.br/