Somos cada vez mais homo digitalis, misturando a natureza biológica individual com o aparato tecnológico.
O cérebro humano vem permitindo a nossa evolução ao longo do tempo devido à sua capacidade de se adaptar às modificações do ambiente. Isso acontece desde o início da nossa existência — mas, nas últimas décadas, uma nova variável entrou nessa equação: o ritmo da mudança. Se nos séculos passados ela era lenta, passou a sofrer uma aceleração vertiginosa por causa da tecnologia. A grande questão é: como isso impacta o nosso cérebro? Será que ele acompanha o novo passo para a evolução?
A mera existência de computadores, redes sociais, sensores, busca, smartphones e apps não nos torna mais inteligentes. Mas é provado que quando incorporamos as tecnologias de forma a ampliar nossas capacidades físicas e cerebrais, nos tornamos, sim, mais poderosos. No livro As Tecnologias da Inteligência, o filósofo francês Pierre Lévy mostra que lápis e papel permitem resolver problemas lógicos com mais profundidade do que usando apenas o cérebro.
Conforme surgem as tecnologias digitais, nosso cérebro não apenas as utiliza, mas passa a se expandir para elas, tornando híbridos nosso corpo biológico e o ciberespaço. Esse processo é chamado de cibridismo. Se você tem uma conta de Gmail, por exemplo, provavelmente se sente incompleto, limitado e desconfortável quando está sem conexão. Os seus arquivos e fotos esparramados pela web e seu computador, o processamento de texto, a busca digital, ampliam e distribuem o seu ser biológico em simbiose com o digital. Nosso cérebro tem incorporado a busca digital de modo que não lembramos mais das informações, mas onde encontrá-las: o Google. Esse fenômeno é chamado de Google Effect (qual é a capital do Cazaquistão? Lembrou ou buscou na internet?). Duas consequências principais são decorrentes do cibridismo: 1) estamos vivendo a segunda maior revolução cognitiva da história — a primeira foi a causada pela prensa de Gutenberg e a disseminação do livro; 2) dependemos cada vez mais das tecnologias para viver.
Somos cada vez mais homo digitalis, misturando a natureza biológica analógica individual com o aparato tecnológico universal. Com isso, pavimentamos o caminho não só para que o cérebro consiga acompanhar a escalada tecnológica exponencial, mas também para a construção de um neocórtex coletivo global.
(*) Texto publicado originariamente na Revista Galileu em 15/out/2014
1 Comentário
Excelente artigo que aborda um tema que me é muito querido. Realmente são espantosas as implicações cerebrais que as crianças de hoje em dia sentem por usarem, por exemplo, os tablets desde tão tenra idade. Na educação as implicações também são imensas: aliás fizemos um artigo sobre esse assunto que pode ajudar a complementar esta informação – http://www.estrategiadigital.pt/como-serao-as-escolas-do-futuro/