Martha Gabriel é um ícone de multidisciplinaridade nas áreas de marketing, tendências, inovação, educação e artes, sendo uma das principais autoridades e referências na área digital.
Professora de marketing e inovação nos principais MBAs do Brasil, foi rankeada pela Online Universities entre os Top 100 professores mais experts em tecnologia do mundo. Palestrante internacional, é autora de 5 livros, inclusive o best-seller “Marketing na Era Digital” e o inovador “Educ@r: a revolução digital na Educação”
Segue entrevista exclusiva feita para o blog da HSM.
1. A disputa por atenção está cada vez mais acirrada. Na sua visão, que fator diferencia as empresas que conseguem melhores resultados daquelas que ficam cada vez mais para trás nessa disputa?
Realmente estamos vivendo uma sobrecarga informacional sem precedentes na história da humanidade, que nos leva ao fenômeno da Economia da Atenção. Nesse cenário, não adianta conquistar audiência sem conquistar a sua atenção. Hoje, a atenção é o ativo mais precioso que podemos obter dos nossos públicos, pois sem ela, não conseguiremos mais nada. As estratégias que tendem a ser mais efetivas para diferenciar as empresas na conquista da atenção são: a) alinhamento de valores com os consumidores/públicos, b) branded content (que inclui advertainment, advergaming, storytelling, etc.), c) transmídia e convergência e, d) encontrabilidade (marketing de busca).
O alinhamento de valores, o branded content e a encontrabilidade são ímãs de atenção e conquistam attention share do público – funcionam como antídotos para a economia da atenção. A transmídia e a convergência são essenciais para estender a presença das marcas nos diversos pontos de contato com os públicos, pois em um cenário tecnológico de mídia cada vez mais fragmentado e multi-plataforma, as pessoas passam cada vez menos tempo com cada uma delas, ou alternam os seus usos constantemente. A transmídia e a convergência funcionam como link entre as várias plataformas ampliando o impacto da marca nos públicos e também oferecendo oportunidades inéditas para a criação de uma user experience que conquiste a atenção e presença do público-alvo.
Essas estratégias todas fazem parte do que chamamos de marketing de conteúdo, que além dessas, envolvem diversas outras dinâmicas conforme combinam objetivos e plataformas, como o inbound marketing, marketing de relacionamento, marketing em mídias sociais, etc. O marketing de conteúdo orquestra o fluxo de conteúdo nas diversas plataformas para se alcançar o objetivo maior de marketing das marcas.
2. Hoje em dia os dispositivos móveis são cada mais presentes no consumo de informação. O quanto é importante que a estratégia de marca aborde também essas plataformas?
Os dispositivos móveis têm se tornado a primeira tela na vida das pessoas, não mais a segunda, e isso muda completamente o jogo da atenção e comportamento. Enquanto a televisão nos transformou em consumidores passivos de informação, os dispositivos móveis nos transformam em compartilhadores interativos, com necessidades distintas das décadas passadas. Por exemplo, até alguns anos atrás as pessoas que iam a um restaurante esperavam obter uma refeição. Hoje, além da refeição, uma grande parte das pessoas vai a um restaurante esperando encontrar conexão wi-fi, garçons que saibam fotografar com qualquer tipo de dispositivo móvel, têm um timing diferente para pedir e consumir os pratos, ampliando o tempo de permanência. Esses detalhes todos afetam sensivelmente a gestão e marketing desse tipo de negócio.
Além disso, a mobilidade causou a dissolução da fronteira entre o mundo online e offline, permitindo que se esteja Always-On, causando uma disputa de relevância constante entre os mundos online e offline. Conforme essas mudanças fundamentais no comportamento social se fortalecem, a adoção das plataformas móveis passa a ser cada vez mais essencial para uma estratégia de marketing de sucesso.
3. A estratégia de criação de conteúdo para engajar os clientes é algo que pode ser aplicado a qualquer setor ou existem áreas em que é melhor manter uma abordagem mais tradicional?
Considerando que conteúdo é a essência conceitual de algo, podemos dizer que qualquer manifestação de uma marca é conteúdo. Assim, acredito que as abordagens tradicionais de marketing também são estratégias de marketing de conteúdo, sempre foram. A grande diferença entre as estratégias tradicionais de conteúdo e as estratégias atuais é que o cenário pós-digital apresenta uma diversidade e quantidade de plataformas de conteúdo muito maiores que anteriormente e que pulsam em uma velocidade muito maior. Isso faz com que a complexidade das estratégias de conteúdo aumente muito. No entanto, as plataformas tradicionais continuam a ser parte integrante e importante das estratégias de conteúdo, tanto quanto as plataformas digitais o são.
Quando pensamos nas diversas áreas de negócios, o que vai determinar quais as plataformas que devem ser usadas nas estratégias de conteúdo – digitais ou tradicionais – é o público e objetivos de marketing das empresas. Assim, se o seu público ainda usa mais predominantemente plataformas tradicionais, as estratégias de conteúdo focarão mais essas plataformas; se usa mais digitais, o foco muda. Quem determina o direcionamento das plataformas de marketing de conteúdo é o público.
4. Muitas vezes o investimento no marketing de conteúdo e outras formas de fortalecimento de marca possuem um resultado mais intangível do que investimentos em venda direta. Como mensurar se os esforços estão tendo retorno?
A questão da tangibilização do retorno financeiro do investimento em imagem é antiga e remonta as mídias tradicionais, devido a dificuldade de se traçar as correlações causais entre as ações e os seus resultados em vendas. Com a proliferação de plataformas digitais, esse processo continua sendo mais complexo no caso de ações de fortalecimento de imagem do que em ações com foco direto em vendas. No entanto, as estratégias de marketing de conteúdo não são exclusivas apenas de ações de fortalecimento de imagem, mas acontecem também nos processos de vendas diretas.
Por outro lado, nas ações de marketing em que os objetivos não são necessariamente financeiros – por exemplo, awareness, leads, reputação, etc. –, o ambiente digital nos traz novas possibilidades, mais amplas e precisas, para se mensurar a performance dos conteúdos que impactam os diversos públicos. Isso permite traçar mais correlações causais com as vendas por meio do rastreamento da jornada do consumidor ao longo do tempo permitindo melhores análises de performance em relação a lealdade, influência e comportamento de compra – fatores que afetam os resultados de vendas de diferentes formas. Assim, para que se possa obter o melhor retorno possível, o ideal é que todo projeto de marketing de conteúdo apresente objetivos e KPIs claros que permitam esse maior detalhamento para auxiliar no cálculo do ROI.
5. Qual sua recomendação para marcas que ainda não possuem uma forte presença digital mas gostariam de aproveitar a oportunidade?
Não faça nada antes de traçar um plano de marketing que englobe as plataformas digitais. Basicamente, antes de qualquer ação digital é necessário responder pelo menos a essas 3 perguntas para se traçar um plano: 1) Quais as características dos seus públicos nos ambientes digitais (e tradicionais)? (comportamento, mídias tradicionais e digitais, influenciadores, etc.); 2) Quem é você (posicionamento, valores, diferenciais, etc.) e qual o seu objetivo com esses públicos nesses ambientes? (venda online, atrair para o PDV, awareness, leads, etc.); 3) Que recursos você tem disponíveis para investir na sua presença digital? (budget financeiro, profissionais capacitados, programadores, designers, agências, consultores, etc.).
A tecnologia nos permite ampliar nossas possibilidades, mas também tende a nos distrair e confundir, muitas vezes tirando o foco do verdadeiro objetivo de marketing. A estratégia não está na tecnologia em si, mas na forma como a usamos. Portanto, a melhor maneira de atuar em ambientes complexos é sempre ter o básico em mente: quem eu sou, o que eu quero e onde estou, e então, traçar o caminho com os recursos disponíveis. Back to the basics!
(*) Texto publicado originariamente no Blog HSM em 28/ago/2014