Ensino Adaptativo e o Futuro da Educação

A Inteligência Artificial no Marketing
30 de junho de 2014
Homenagem a Robin Williams
13 de agosto de 2014
Martha Gabriel
por Martha Gabriel, 5 de julho de 2014 17:59

Entrevista Martha Gabriel para a Revista Carta Fundamental

5/jul/2014

1)      O que é ensino adaptativo? Como funciona?

RESP MG – Ensino adaptativo é um sistema educacional que usa programas computacionais como dispositivos de ensino interativo.
Esses sistemas são chamados de adaptativos porque vão se modificando e adaptando a apresentação dos materiais e questões às necessidades de aprendizagem do estudante, levando em consideração o seu nível de habilidade na matéria, o que deve ser aprendido e o material de ensino disponível para tanto.

O uso desses sistemas permite a individualização do ensino, gerando  um caminho de aprendizagem construído a partir de cada interação do participante. O sistema mede a variação do nível de proficiência do estudante a cada passo e modifica o programa no ritmo e grau de dificuldade necessários para otimizar a aprendizagem daquele indivíduo.

Como o controle desses sistemas é determinado pelas necessidades do estudante, acredito que “aprendizagem adaptativa” seja um nome mais adequado do que “ensino adaptativo”.

2)      Como esta tendência vem impactando as escolas? Que benefícios as ferramentas de ensino adaptativo trazem para o processo de aprendizagem dos alunos? E para o professor?

RESP MG – Da mesma forma que algumas escolas têm tutores para auxiliar os estudantes nos estudos extra-classe como apoio complementar ao trabalho do professor, o ensino adaptativo funciona como um tutor particular computacional para cada aluno.

Assim, quando implementado corretamente, os efeitos desses sistemas tendem a ser no futuro até mais eficientes do que um tutor humano, pois fazem um acompanhamento individual (enquanto tutores humanos normalmente atendem um grupo de alunos ao mesmo tempo) e podem conter conhecimentos adicionais de ciência cognitiva que um instrutor médio não possui. Por exemplo, a maioria dos professores não sabe os detalhes sobre quais os intervalos de tempo que os humanos deveriam ser re-testados sobre informações que devem ser memorizados para garantir que tenham passado para a memória de longa duração.

Por meio da observação do desempenho dos alunos, esses sistemas podem obter dados sobre a cognição humana para melhorar o seu próprio processo no futuro. Quanto mais dotados de inteligência artificial e acesso a big data, mais esses sistemas poderão contribuir para a aprendizagem individualizada, realmente focada no estudante, no seu ritmo, seus interesses e particularidades.

3)      Que problemas/desafios podemos apontar dentro desta modalidade de ensino?

RESP MG – O conceito de ensino adaptativo é uma excelente opção para a aprendizagem individualizada. No entanto, quando vamos implementar esse conceito na prática, existe uma variedade enorme de possiblidades de softwares para aplicação desse método, e esses programas têm características muito distintas entre si. Alguns programas são bem mais sofisticados do que outros e é necessária uma análise minuciosa antes de se escolher a solução. O foco não deve ser nas características do sistema, mas como esse sistema realmente promove o ensino com a maior naturalidade possível de interfaces e utilização, tanto para estudantes quanto para professores. Se um professor fosse contratar um tutor humano para os seus estudantes, certamente ele escolheria uma pessoa que melhor se adaptasse a ele e aos alunos. O mesmo deve acontecer com um sistema de ensino adaptativo.

Outro desafio importante é a integração desses programas com os demais sistemas da escola/instituição — administrativos, gestão, plataformas. Por exemplo, como esses sistemas conversarão com o Moodle ou Blackboard?

Mais um desafio importante é conseguir o equilíbrio entre sistemas computacionais e professores humanos. Por um lado, acreditar que o ensino adaptativo é o futuro da educação e substituirá os professores pode ser perigoso, pois estaríamos acreditando que as competências do computador pudessem capturar todas as dimensões que uma educação de qualidade requer. O conceito de educação vai muito além da capacitação em determinadas competências e suas métricas de avaliações. Por outro lado, a maioria dos professores sentem-se ameaçados com a possibilidade de serem substituídos pelos sistemas, e isso requer um processo de educação mostrando como eles podem se beneficiar do ensino adaptativo para atuar em conjunto e qual o papel de cada um, como eles se complementam para se obter melhores resultados.

4)      É possível confiar nos softwares para avaliar o desempenho dos alunos?

RESP MG – A confiança na tecnologia adaptativa depende muito do que se espera que ela faça. Por exemplo, é mais fácil confiar que o sistema corrija um teste de múltipla escolha do que uma dissertação em que seja necessário verificar problemas de escrita do estudante. Outro fator que importa é o contexto, pois podemos tolerar melhor ferramentas que não sejam perfeitamente precisas em alguns casos do que em outros. Por exemplo, a maioria dos estudantes aprendem rapidamente que uma busca no Google trará alguns resultados que não são úteis, mas seria bem mais difícil para eles entenderem quando devem ou não confiar em um corretor ortográfico.

Assim, é importante se ter em mente de forma muito clara as funções que esses sistemas desempenharão e em quais contextos para se poder testar e ajustar a confiança no processo.

5)      Algumas secretarias de educação brasileiras já são parceiras de iniciativas de ensino adaptativo. Como isto pode auxiliar na elaboração de políticas públicas? 

RESP MG –  Sabemos que políticas públicas dependem de quatro elementos principais: a) do envolvimento do governo, b) da percepção de um problema, c) da definição de um objetivo e, d) da configuração de um processo de ação.

Assim, a partir do momento em que as secretarias de educação começam a abraçar o ensino adaptativo e a compreende-lo por meio das parcerias,  vemos que os dois primeiros passos para a criação de políticas públicas foram dados: envolvimento do governo e percepção do problema. Isso tende a levar aos demais, ou seja, a definição do objetivo e configuração de um processo de ação. Dessa forma, o processo já foi iniciado e, se bem conduzido, tende a gerar políticas públicas em breve.

6)      Como capacitar os professores para interagir/usar estas ferramentas? E as escolas?

RESP MG – Acredito que a primeira etapa é lutar contra a resistência dos professores mostrando como o ensino adaptativo pode ajuda-los ao invés de substitui-los. Esses sistemas podem liberar os professores para fazer o que fazem melhor em sala de aula – conexão, discussão, reflexão — um trabalho que não é replicável por um computador. Além disso, rejeitar esses sistemas significaria negar aos alunos um apoio que poderia melhorar as suas chances de sucesso. Assim, a primeira etapa é a educação sobre o assunto e a discussão sobre as possibilidades e adoção das plataformas.

Nessa situação, é essencial que a instituição de ensino seja o mais transparente possível no processo de adoção das tecnologias e que envolva os professores nas ações de forma que compreendam que para se conseguir bons resultados é necessária a colaboração de todos. Nesse sentido, uma maneira bastante eficiente de se implementar novas tecnologias em qualquer ambiente é usar os “early-adopters”, ou seja, as pessoas que aderem às tecnologias antes de todos, que são mais curiosos e gostam de testar novos recursos. Assim, deve-se detectar quais professores seriam mais entusiastas no uso de educação adaptativa e envolve-los primeiro no processo de implementação. Além de eles se tornarem propagadores e ensinarem os outros professores, eles podem ser um recurso valioso para ajudar a avaliar os sistemas e aprimorá-los.

7)      Com esta possibilidade de mensurar o rendimento individual dos alunos não corremos o risco de “ranquear” nossos estudantes?

RESP MG – Todo ranqueamento é baseado em critérios mensuráveis (notas) que são aplicados de forma uniforme para todos os participantes. Ele é consequência da necessidade de se dar notas para avaliar o aprendizado. Isso é o que acontece com a educação tradicional em que todos os alunos são submetidos aos mesmos conteúdos e às mesmas avaliações, independentemente das suas diferenças individuais – esse ranqueamento comparativo muitas vezes pode ser injusto porque nem todos os estudantes têm as mesmas habilidades para aprender do único modo que lhes foi apresentado. No caso do ensino adaptativo, no entanto, como o foco é a aprendizagem do aluno e não a avaliação, e como o sistema se modifica para cada aluno otimizando o processo às suas necessidades, o objetivo final é que o aluno tenha alcançado a proficiência na matéria – o resultado final tenderia a ser “tem” ou “não tem” proficiência, e não mais uma nota. Isso dificulta o ranqueamento ao invés de favorece-lo. No entanto, a maioria dos sistemas de ensino adaptativo hoje ainda tem sido utilizada apenas para fazer com que avaliações ou exercícios se adaptem ao estudante conforme ele vai avançando na matéria, resultando em uma nota. Mas conforme esses sistemas vão evoluindo, usando big data, data mining e inteligência artificial, tenderão a gerar proficiência e não notas.

8)      O que significa a expressão “Big Data”?

RESP MG – A partir da disseminação da banda larga de internet associada às plataformas de publicação (Web 2.0) e captura de dados (sensores), temos visto uma explosão na criação de dados no planeta. Essa massa gigante de dados que é gerada em volume, velocidade e variedade imensos é chamada de Big data. Só para se ter uma ideia, segundo o presidente da IBM Brasil, Rodrigo Kede, 90% dos dados no mundo hoje foram gerados nos últimos dois anos. Portanto, estamos criando constantemente um tsunami de dados.

O big data pode oferecer oportunidades inimagináveis para se obter correlações entre aprendizagem e conteúdos para o ensino adaptativo. Por um lado, permite o refinamento dos dados preexistentes sobre o estudante por meio de data mining (mineração de dados), conhecendo-o melhor – background, facilidades e dificuldades prévias, performances, etc. –, permitindo, assim, uma adaptação mais adequada. Por outro lado, a quantidade de materiais online disponíveis cresce continuamente, fornecendo uma variedade e volume de possibilidades muito mais ricas para a adaptação.

Com o uso de big data, os sistemas poderão acompanhar o rendimento individual e coletivo, comparando diversos alunos de uma mesma disciplina obtendo correlações entre diversas variáveis – notas, formatos de conteúdos, horários de estudo, professor, grau de dificuldade, etc. Essas informações permitiriam traçar perfis de alunos de forma a adaptar automaticamente os conteúdos que funcionarem melhor para cada perfil. As possibilidades tendem a se tornar infinitas, permitindo que por meio da tecnologia se viabilize economicamente uma educação personalizada, em massa.

1 Comentário

  1. […] para o processo de ensino e aprendizagem dos alunos e para o professor, além de esclarecer o que é ensino adaptativo e como funciona. O ensino adaptativo possui um tutor computacional para cada aluno, proporcionando informações, ou […]

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *